Criatividade e inovação são alguns termos meio que “bola da vez”. Ao abrir um site com abordagem em negócios, invariavelmente, uma das duas (ou ambas) está lá. Atrevemos-nos a afirmar que em muitas dessas menções soa quase como um clichê ou expressões vazias para tentar impressionar os leitores. É um tal de “empresa criativa” para cá, “gestão inovadora” para lá. Mas, afinal, do que estamos falando? E já que falamos de clichê, talvez seja hora de “quebrar os paradigmas” sobre criatividade e inovação.
Para começo de conversa, ter ideias não é dom. Criar não é uma competência exclusiva de uma classe favorecida. Todos nascemos com a capacidade de associar elementos, de pensar soluções originais diante de problemas com os quais nos deparamos. Há um mito de que a criatividade é fruto da genialidade de seres diferenciados, mas não é bem assim que a coisa desenrola. Conforme nos ensina Kevin Ashton, no excelente livro A história secreta da criatividade, criar é dar passos e não saltos. Ninguém vence uma maratona em um pulo e, sim, por meio de uma sequência de passos. Paralelamente, uma ideia não nasce pronta. Ela é fruto de uma bricolagem de tentativas e erros. Não se trata de inspiração usualmente romantizada, mas de adentrar em uma jornada onde a maioria dos insights apontam para ruas sem saída, cujo o caminho a ser trilhado não conta com GPS.
Em síntese, a criatividade pode representar um fazer humano tão trivial que sequer a percebemos no seu dia a dia.
Siga nosso raciocínio para vislumbrar a ação prática da criatividade. Você tem uma entrevista de emprego marcada naquela empresa que sempre sonhou trabalhar. Acorda mais cedo, decide fazer uma caminhada para ficar mais disposto, para depois tomar um bom banho para se arrumar com calma. No entanto, quando liga a torneira do chuveiro verifica que está faltando água. Você busca informações com a vizinhança ou com o condomínio sobre aquela situação e descobre que todo o bairro passa pelo mesmo drama. Quais as opções que você pode seguir para não perder aquela que pode ser a chance de mudar seu rumo profissional:
- Vai suado mesmo, mas dá uma caprichada no desodorante para tentar causar boa impressão.
- Utiliza os litros de água que estão na geladeira para se banhar. Mesmo que o resto da família reclame, acredita que eles compreenderão, já que, segundo você, é por uma boa causa.
- Passa na farmácia e compra lenços umedecidos para dar uma disfarçada.
- A quarta opção é por conta do leitor.
Enfim, você usa o processo criativo para superar uma situação de instabilidade que não foi prevista. É o sinal para utilizar o potencial criativo, uma vez que criar é associar ideias, e, em muitos casos, para nossa sobrevivência.
E a inovação? Pois bem, a inovação é a ideia aplicada e que consegue gerar valor. A inovação se constitui em algo que realmente impacta na vida das pessoas e transforma a forma como elas vivem e consomem produtos ou serviços. E qual o valor de uma ideia inovadora?
Tim Brown, no clássico livro Design Thinking, afirma que uma ideia inovadora é aquela capaz de contestar e modificar aquilo que está estabelecido.
Quando a Netflix inaugurou seu serviço de streaming, mesmo que com catálogo reduzido perto do que há disponível hoje, colocou em xeque o modelo de empréstimo de filmes em locadoras. Sim, ainda tem muita gente saudosista que lembra com nostalgia das locadoras como espaços de relacionamento, de encontro e de informação. Porém, isso não foi suficiente manter vivos esses templos de fitas VHS e de DVDS.
Encontramos facilmente ideias inovadoras como a Netflix e nem nos damos conta. Ifood, Apple, Pic Pay, Spotify, Pix… a propósito, por falar de transformação social, você ainda anda com cédulas de dinheiro na carteira??? Certamente, são inovações que vieram para ficar e se transformaram no novo status quo. E aí também mora um perigo desafiador, pois o fato de ter sido inovadora em um momento, esse fato não assegura que uma marca seja percebida permanentemente como disruptiva (termo que também namora na linha dos jargões).
Retomando a Netflix, se durante um bom tempo navegou no oceano azul do segmento, hoje é constantemente ameaçada por tubarões ferozes como Disney Plus, Amazon Prime Vídeo, Globo Play, entre outros. Logo, não somente a Netflix, mas também a marca que você gerencia precisa se reinventar e inovar para gerar valor e continuar a produzir sentido na vida dos consumidores, sob risco de ser mais uma empresa que sai de cartaz e ninguém dá conta.
Fernando Manhães – É publicitário e professor do curso de Comunicação Social da UFES
Artigo escrito com a colaboração de Victor Mazzei, publicitário e professor universitário